Tema 4

Conflito e Bullying: intervenção para o desenvolvimento na e da escola


Neste tema foi proposto a elaboração (em grupo de trabalho) de um documento que caracterizasse, do ponto de vista teórico, o conflito na Escola e o bullying, que caracterizasse uma das propostas de intervenção no conflito apresentadas na obra de E. Costa e P. Matos e ainda que contemplasse a análise de uma situação de conflito ou um caso de bullying concreto, à luz da proposta sugerida com ênfase  num dos seguintes componentes: Família, Professores, Alunos, Pessoal não-Docente, Grupos de Pares. O trabalho deveria, também, dar realce às diferentes intencionalidades dos actores envolvidos na intervenção da situação de conflito proposta;
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Sobre o conceito de Conflito:
Deutsch (1973, como citado em Costa, M. E. & Matos, P. M., 2007:75) sugere que o conflito seja perspectivado em função dos seus resultados que poderão ser positivos ou negativos. Como efeitos negativos considera a desconfiança, a obstrução da cooperação, a perturbação das relações, o escalar de posições que poderão conduzir a confrontos violentos. Como efeitos positivos destaca o incentivar a discussão  sobre diferentes assuntos, promover formas construtivas de clarificação de divergências, bem como da sua resolução, encorajar uma comunicação mais aberta e espontânea, levando ao crescimento nas diferentes partes envolvidas na relação. Assim os conflitos não são bons nem maus são inevitáveis. Na lógica da diversidade, Torremorell (2008) refere que as diferenças naturais entre as pessoas podem não ser geradores de conflitos destrutivos mas pelo contrário conflitos criativos. Nas sociedades organizadas verticalmente prevenir um conflito significa suprimilo, nas organizadas horizontalmente, a supressão não é exequível nem desejável (Ury, 2000:127, Torremorell, 2008:20).

Sobre a concepção  de gestão de conflitos refere Torremorell (2008, 21) ser uma concepção claramente ocidental que afasta a conotação de supressão de conflitos associada ao vocábulo resolução.

Sobre o conceito de resolução de conflitos Torremorell (2008:21) observa que o entendimento internacional do conceito é de designar uma corrente inovadora de pensamento e aplicação do mesmo, que aspira a compreender e intervir positivamente na resolução dos conflitos de uma maneira pacífica e não violenta. A mediação é a técnica, provavelmente mais privilegiada do que se designa (no âmbito anglo-saxónico) por Alternative Dispute Resolution (ADR). A chave-inglesa da caixa de ferramentas da solução de disputas (Acland, 1993:18, idem).

A propósito do conceito de mediação, o relatório elaborado para a Fundação Bertelsman relativo a um estudo sobre os mecanismos que favorecem a convivência pacífica nas sociedades plurais conclui a mediação ser necessária «para permitir que coexistam posturas normativas diversas e se mantenham sistemas de valores diferentes sem consequências hostis para as posturas dos outros, tão legítimas e dignas de respeito como as nossas» (Weidenfeld, 1999. Como citado em Torremorell, 2008:20).  Para C. M. Moore a mediação «é um dos processos de interacção inventados para permitir que as pessoas vivam juntas» (1997:274, idem:37).
O processo mediador refere Torremorell (2008:44) que promove a equidade na comunicação e nos resultados, insta à cooperação e à coesão, fomenta o exercício de liberdades, assim como a construção e a transferibilidade de aprendizagens. Em relação ao conflito, reduz hostilidades, procura soluções melhores em vez de uma menor quantidade de problemas, contempla objectivos a curto e a longo prazo ajuda a estabelecer limites, permite a circulação de verdades múltiplas, evita o fabrico de vencedores e vencidos e vincula-se ao contexto. Em relação às pessoas legitima a diversidade, respeita a privacidade, parte dos contributos de cada um, integra-se num processo humanizador em que a pessoa é o mais importante, responsabiliza-nos perante nós próprios e perante os outros, habilita para a construção de grupo e de comunidade, fortalece frente às diversidades, ajuda-nos a pensar com autonomia, favorece o protagonismo e o comando da vida própria, confia nas potencialidades de todas as pessoas e desenvolve-as, estimula a reconciliação, reconstrói vínculos e estabelece laços.

Na Escola, os diferentes espaços de interacção entre os diferentes elementos da comunidade potenciam situações de conflito e há que tentar lidar construtivamente com estas situações.
A dimensão negativa do conflito - a escalada para a violência é uma realidade e «uma fatia considerável desses actos ocorre no seio de relações interpessoais significativas, sejam elas inter-pares (da mesma idade, que se conhecem bem e da mesma raça), sejam em relações de complementaridade (professores/alunos, pais/filhos) (Costa & Vale, 1999, como citado em Costa e Matos 2007:78). A violência em contexto escolar é um tema de grande actualidade e relevância com graves implicações a diferentes níveis: escolar, familiar e da sociedade. Rochex (2003:16) refere-se ao fenómeno da violência na escola segundo três lógicas: a violência na escola, a violência da escola, a violência para com a escola. 

Conflito no espaço escolar:
Johnson e Johnson (1995 como citado em Costa & Matos, 2007) classificam os conflitos na escola em quatro tipos: controvérsia, conflito conceptual, conflito de interesses e conflito desenvolvimental.
Controvérsia – Conflito ao nível da incompatibilidade de ideias, informações, conclusões, teorias, ou opiniões, que, quando abordada construtivamente são potenciadoras de tomadas de decisão qualitativamente superiores.
Conflito conceptual - Quando novas informações se constituem incompatíveis com conhecimentos pré-existentes.
Conflito de interessesConfronto de ações, objetivos e finalidades incompatíveis entre os agentes
Conflito desenvolvimentalCo-ocorrem forças opostas de estabilidade e mudança


Costa e Matos (2007) consideram estratégias de resolução de conflitos centradas nos indivíduos e nas relações interpessoais e estratégias de resolução de conflitos centradas nos sistemas (em benefício da escola). A mediação de pares é (no 1º caso) uma das mais preconizadas considerando a abordagem de resolução de problemas como eficaz no desenvolvimento de competências mais construtivas para a resolução de conflitos, por parte dos alunos. As autoras referem a proposta de Stevahn (2004, como citado em Costa & Matos, 2007:80)  de integração, no curriculum, de programas que contemplem estratégias para a promoção de competências construtivas para a resolução de conflitos, que propõe  o Programa Teaching Students to be Pacemakers -TSP, concebido em 5 fases, que permite ultrapassar as dificuldades relativas à necessidade de ocupação da carga horária atribuída às outras disciplinas. 
Uma outra proposta é a de Heydenberk, Heydenberk e Bailey de integração de um programa no currículo escolar mas com alvo nos professores que deveriam disseminar as competências adquiridas na sua prática pedagógica e ainda os programas para jovens em risco baseados na teoria da vinculação ganhando relevância a necessidade de dar visibilidade às necessidades de vinculação subjacentes a dificuldades de comportamento ou perturbações emocionais descodificando mensagens paradoxais no comportamento de modo a evitar a experiência de alienação e de desvinculação.


Relativamente às estratégias de resolução de conflitos centradas nos sistemas, Costa e Matos (2007:86), referem:
->a proposta de Pianta de intervenção no sistema relacional que parte do pressuposto que a análise do sistema relacional criança-professor permite a compreensão do sistema relacional na escola a exemplo do que acontece com o sistema relacional pais-criança que   ajuda a perceber o funcionamento da família.
-> a proposta de Eccles e Roeser de um modelo com diferentes níveis de análise: o carácter organizacional da escola, a sua estrutura e fontes; o carácter organizacional da turma, as características do professor; a interacção social entre professor e alunos.
-> a proposta de Coleman e Deutsh que,  assente numa visão da escola como um sistema aberto, estabelece cinco níveis de abordagem - a disciplina, o curriculum, a pedagogia, a cultura escolar e a comunidade.
Uma intervenção numa perspectiva sistémica implica estar na posse de um conjunto de dados que permitem conhecer os factores capazes de influenciar as relações interpessoais na família e na escola.
Tal como referem Matos, Negreiros, Simões e Gaspar (2009:29), no contexto escolar ocorrem vários tipos de violência, pelos diversos intervenientes: alunos, professores, pessoal auxiliar de educação ou comunidade envolvente. A violência escolar inclui o Bullying um dos tipos de violência mais comum nas escolas europeias, incluindo Portugal. O estudo HBSC - Health Behaviour in School-Aged Children (investigação que é realizada de quatro em quatro anos) realizado a nível nacional em 2006 relata, referindo-se aos alunos dos 6º, 8º 3 10º anos de escolaridade, que  20,6% dos alunos estiveram envolvidos com regularidade  (duas ou mais vezes por mês, nos últimos dois meses) em comportamentos de bullying/ provocação na escola, 4,9%  com duplo envolvimento (ofensores e vítimas), 6,3% como ofensores e 9,4% como vítimas (Matos et al., 2007, como citado em em Matos et al., 2009:33)

I Survived (by Rachel Williams)

I survived school

I survived high school
I survived each day
My life was hard
But I survived



I survived every week
I survived each year
I survived your torment
My life was hard
But I survived



I survived the problems you didn't know about
I survived the pain God inflicted on my family
I survived the pain you put me through
I survived
But could you?

(http://circle.nypo.org/rachel.html)
Sobre o conceito de Bullying:



Urra (2010:326) refere que a violência física ou psíquica entre estudantes começou a ser investigada nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha e nos países nórdicos no princípio do anos 70. Ali recebeu o nome de bullying, assédio psicológico, moral e/ou físico, «que se define como uma conduta agressiva e persistente no tempo, exercida por um indivíduo ou grupo, que provocam baixa auto-estima, isolamento e exclusão social da vítima. Este tipo de conduta evidencia-se através de insultos, ameaças, intimidação psicológica e agressões físicas, com tendência para aumentar em intensidade e frequência de agressões.» (Afonso & Cervino, 2006).

Por seu lado Pedro Strecht (2004, como citado em Urra, 2010, p. 326) acrescenta: «o fenómeno sempre aconteceu e, quando dele falamos, obviamente não incluímos o que por vezes existe de agressivo, competitivo, discriminador e que, em pequenas doses, faz parte das relações do dia-a-dia entre crianças e adolescentes. Falamos de situações muito fortes, graves, repetidas, em que algumas crianças e adolescentes se vêem envolvidos, quer como vítimas, quer como vitimadores e que, sobretudo, acontecem no espaço da escola que ambos frequentam.»
O autor observa, ainda, que:
os rapazes estão muito mais envolvidos do que as raparigas nos casos de agressão activa considerando-se então que o bullying, tanto na sua forma activa como passiva, é um comportamento mais frequente nos rapazes do que nas raparigas.
quanto maior é o centro escolar maior risco de bullying se sofre, porque há menos controlo físico.
as principais causas parecem ser psicológicas.
geralmente, tanto as vítimas como os agressores manifestam baixa auto-estima e têm um fraco poder de influência nas relações interpessoais com os pares.
em geral, as vítimas não têm amigos apresentam uma aparência física mais frágil do que a dos seus pares e são muito protegidas pelos pais (principalmente pelas mães).
Na tabela seguinte sistematiza-se os elementos característicos do bullying, a partir dos resultados de investigações realizadas (Defensor del Pueblo, 1999; Dáz-Aguado, 2002; Greene, 2000)

O agressor pretende magoar ou instigar medo à vítima.
O agressor ataca ou intimida a vítima por meio de agressões físicas, verbais ou psicológicas.
A violência para com a vítima ocorre repetidamente e prolonga-se durante um certo tempo.
O agressor tem uma percepção de si como mais forte e poderoso do que a vítima.
As agressões produzem o efeito desejado pelo agressor.
O agressor recebe, geralmente, o apoio de um grupo.
A vítima não provoca o comportamento agressivo.
A vítima é indefesa e não consegue sair sozinha da situação.












Várias investigações permitem identificar tanto as características dos agressores ou bullies (Musitu, et al., 2011:59), como as que as vítimas de bullying apresentam:

Agressores (bullies)
Vítimas de bullying
-É frequente que sejam repetentes e de idade superior à média da turma.
-Têm rendimento escolar baixo e uma atitude negativa para com a escola.
-Costumam ser fisicamente mais fortes do que as suas vítimas e mostram por estas pouca empatia.
-Apresentam elevados níveis de impulsividade, sentindo a necessidade de dominar os outros através do poder e da ameaça.
- Toleram mal as frustrações.
-Têm dificuldades em aceitar as normas sociais e apresentam uma atitude hostil e de desafio para com pais e professores.
-Recebem pouco apoio e supervisão parental.
-Informam de frequentes conflitos familiares, de autoritarismo e hostilidade.
- Têm uma opinião relativamente positiva de si mesmos: têm uma auto-estima média ou alta.
- Têm um grupo pequeno de amigos (dois ou três) que os apoiam e são mais populares entre os colegas do que as vítimas
- Imagem geral negativa de si mesmas.
- Distúrbios de atenção e de aprendizagem.
-Desespero e perda de interesse nas actividades favoritas.
-Incapacidade para desfrutar e falta de energia.
- Insatisfação com a vida.
- Sintomas depressivos.
-Comunicação pobre.
-Deficiente capacidade para se relacionar com os outros.
-Sentimentos de culpabilização.
-Sentimentos de solidão.
-Sensibilidade em relação à rejeição e às avaliações negativas dos outros.
-Queixas sobre doenças físicas, como dores de cabeça e de estômago.
-Reacções emocionais inesperadas.
-Problemas de insónia e lembrança repetida do episódio de maus-tratos.  



Algumas imagens que pretendem ilustrar o desenvolvimento de um projecto de intervenção sobre o bullying que afecta alunos do 1º ciclo do Agrupamento de Escolas a que pertenço.


Clicar nas imagens para as ampliar



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Intervenções na área da prevenção da violência

Tal como referido por Matos, Simões, Gaspar, Negreiros e Baptista (2010:24), uma vez que os problemas de comportamento apresentam um progressivo desenvolvimento, diversidade e escalada ao longo do tempo, será de todo conveniente que uma possível intervenção  considere a trajectória em que a criança se encontra.
As autoras referem três modalidades básicas de estratégias de intervenção nas perturbações de comportamento:
Treino de Gestão Parental (Parent Management Training – PMT)
Treino cognitivo – Solução de Problemas (Cognitive Problem – Solving Skills Training – PSST)
Tratamento Multi-Sistémico (Multisystemic Treatment – MST)

Treino de Gestão Parental – tem como objectivo ensinar aos pais novas competências de forma a que estejam aptos a lidar com os problemas de comportamento da criança (Mash & Wolfe, 2002, como citado em Matos et al., 2010:25).
Acredita-se que melhorando as interacções entre pais e filhos é possível melhorar a conduta da criança. As vantagens têm a ver com a eficácia a curto prazo na produção de alterações no comportamento de pais e da criança, com melhorias na ordem dos 80%.

PMT focuses on specific targeted behaviors rather than on the child's diagnosis as such, it has come to be associated with the treatment of certain disorders. PMT is used in treating oppositional defiant disorder, conduct disorder, intermittent explosive disorder (age-inappropriate tantrums), and attention deficit disorder with hyperactivity ( attention-deficit/hyperactivity disorder ). Such antisocial behaviors as firesetting and truancy can also be addressed through PMT http://www.minddisorders.com/Ob-Ps/Parent-management-training.html.

Treino cognitivo – Solução de Problemas – este tipo de intervenção centra-se nas deficiências e distorções cognitivas evidenciadas pelas crianças e adolescentes com perturbações de comportamento em situações interpessoais (Mash & Wolfe, 2002, como citado em Matos et al., 2010:26).
As principais distorções observadas nas crianças com problemas de comportamento incluem:
- uma tendência para conceber menos soluções alternativas para problemas interpessoais;
- uma tendência para focalizar-se nos objectivos finais (em vez de se centrarem nas etapas intermédias para os atingir);
- uma tendência para reconhecer menos consequências associadas aos seus comportamentos anti-sociais;
- maior dificuldade em compreender as causas dos comportamentos das outras pessoas;
- menor sensibilidade aos conflitos interpessoais;
- o cerne da intervenção consiste, deste modo, em desenvolver competências cognitivas e de resolução de problemas susceptíveis de desencadear mudanças no funcionamento cognitivo das crianças das quais resultem padrões de comportamento social mais adaptativos.

Tratamento Multi-Sistémico – Refere Henggeler (1994, como citado em Matos et al., 2010:27) que a forma como as crianças geralmente interagem reflecte relações familiares possivelmente disfuncionais. Assim sendo, este tipo de treino conceptualiza os problemas de comportamento na criança no âmbito de uma rede de sistemas sociais, incluindo a família, a escola, a comunidade e o grupo de pares.
Este tipo de abordagem deve envolver os membros da família, da escola, o grupo de pares, assim como os elementos da comunidade em que o jovem se encontra inserido.
De acordo com Mash e Wolfe (2002, idem), a eficácia desta abordagem deve-se ao facto de o tratamento ajudar a reduzir a associação a grupos de pares desviantes e a diminuir a taxa de jovens que se envolvem em comportamentos delinquentes.




Referências bibliográficas
Caldeira, S & Veiga, F. (Orgs.)( 2011). Intervir em situações de indisciplina violência e conflito. Lisboa: Fim de Século.
Costa & Matos (2007). Abordagem sistémica do conflito. Lisboa: Universidade Aberta.

Matos, M., Simões, C., Gaspar, T., Negreiros, J. & Baptista, M. (2010). Violência em contexto escolar. Lisboa: Ministério da Educação.
Matos, M., Negreiros, J., Simões, C & Gaspar, T. (2009).  Violência, Bullying e Delinquência. Gestão de problemas de saúde em meio escolar.  Lisboa: Coisas de Ler.
Musitu, G., Estévez, E., Jiménez, T. & Veiga, F. (2011). Agentes de socialização da violência e vitimização escolar. In Caldeira, S. & Veiga, F. (Orgs.)  Intervir em situações de indisciplina violência e conflito. Lisboa: Fim de Século.
Rochex, J. (2003). Pistas para uma desconstrução do tema a violência na escola. In Correia, J & Matos, M. (Org.), Violência e violências da e na escola (pp. 14-22). Santa Maria da Feira: Edições Afrontamento.
Torremorell, M. (2008). Cultura de mediação e mudança social. Porto:Porto Editora.
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